domingo, 27 de setembro de 2020

CARTAS ESCRITAS A UM AMIGO SOBRE A OBRA DA EVANGELIZAÇÃO

 

CARTAS ESCRITAS A UM AMIGO SOBRE A OBRA

DA EVANGELIZAÇÃO

 

C. H. Mackintosh

 


 

 

Primeira carta[1]

 

Querido Irmão!

 

     Tem sido, para mim, muito interessante e muito proveitoso nestes últimos tempos seguir nos Evangelhos e nos Atos as várias pegadas da obra de evangelização; e gostaria de apresentar-te - e justamente a ti que estas muito ocupado na bendita obra – alguns pensamentos que me veem a mente. Sinto-me mais a vontade empregando este meio, do que se escrevesse um tratado formal.

     Antes de tudo, me surpreende sobremaneira, a simplicidade com que se levava adiante a obra de evangelização nos primeiros dias; algo muito diferente, em grande medida, daquilo que é praticado entre nós. Parece-me que nós, homens modernos, nos deixamos enrolar muitíssimo mais por regras convencionais, e nos acorrentamos pelos costumes da cristandade. Somos tristemente deficientes no que poderia chamar “elasticidade espiritual”. Somos levados a pensar que para evangelizar necessitamos de um dom especial, e que, mesmo ali, onde se encontra este dom especial, torna-se necessário o emprego da máquina e das organizações humanas. Quando falamos de fazer a obra de evangelista (2.ª Timóteo 4:5), a maioria de nós coloca diante dos nossos olhos, grandes salas públicas e um grande número de pessoas, que exigem um dom e um poder para falar considerável.

     Assim sendo, tanto você como eu cremos plenamente que, para pregar o Evangelho em público faz falta um dom especial, proveniente da Cabeça da Igreja; e além disso, cremos, segundo Efésios 4:11, que Cristo deu e ainda dá “evangelistas”. Isto está muito claro se formos guiados pelas Escrituras. Porém, nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos, encontramos que uma boa parte da bendita obra evangelística foi cumprida por pessoas que não eram de tudo dotadas de um dom especial, mas tinham um amor ardente pelas almas e um sentimento profundo do valor de Cristo e da sua salvação. Além disso, encontramos naqueles que foram especialmente dotados, chamados e estabelecidos por Cristo para pregarem o Evangelho, uma simplicidade, uma liberdade e naturalidade tal em sua maneira de trabalhar, que desejaria vivamente para mim e para todos os meus irmãos.

     Examinemos um pouco as Escrituras. Tomemos essa formosa cena de João 1:36-45. João derrama seu coração como testemunha do Senhor Jesus: “Eis aqui o Cordeiro de Deus”. Sua alma estava absorvida pelo glorioso Objeto. Qual foi o resultado? “E os dois discípulos ouviram-no dizer isso e seguiram a Jesus.” E o que segue? “André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que haviam ouvido a João, e havia seguido a Jesus.” E que fez ele? “Este achou primeiro a seu irmão Simão, e lhe disse: Achamos o Messias (que, traduzido, é o Cristo). E o levou a Jesus.” E também: “No dia seguinte, quis Jesus ir a Galileia, e achou a Filipe, e lhe disse: Segue-me... Filipe achou a Natanael, e lhe disse: Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na lei, e de quem escreveram os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José... Vem e vê.

     Está aqui, pois, querido Irmão, o estilo, a maneira que fervorosamente desejo; esta obra individual, que consiste em lançar mão da primeira pessoa que cruza pelo nosso caminho; seja ela nosso próprio irmão e levá-lo ao Senhor Jesus. Sinto que nossos esforços neste sentido são insuficientes. Parece-nos que tudo está muito bem aos termos reuniões de evangelização e nelas dirigirmos aos que as assistem, segundo a capacidade e a ocasião que Deus dá. Não tenho coragem de escrever uma só palavra para diminuir o valor desta linha de trabalho. Procuremos por todos os meios alugar salas, salões e teatros; distribuamos folhetos e convidemos a todos que venha; usemos todos os meios legítimos de propagar o Evangelho. Procuremos alcançar as almas no melhor que pudermos. Longe esteja de mim desanimar a qualquer um que trabalha na obra desta maneira pública.

     Porém, não te parece que nos falta mais da obra individual, mais deste trato particular, sério e pessoal com as almas? Não crês que se tivéssemos mais Filipes, também teríamos mais Natanaéis? E se tivéssemos muitos Andrés, também teríamos muitos Simãos? Não posso, senão crer nisto. Há um poder admirável num chamado pessoal e veemente. Não descobrimos com frequência, que depois da pregação pública formal e, quando começamos a obra íntima, pessoal, é que as almas são alcançadas? Porque razão vemos tão pouco desta última atividade? Acaso não acontece com frequência em nossas pregações públicas que, quando a pregação finaliza, cantamos um hino e alguém ora, todos se dispersão sem que nenhum irmão intente aproximar-se de um dos ouvintes? Eu não falo aqui, note bem, do pregador que, seguramente, não poderia atender a cada um detalhadamente, mas dos cristãos que o estavam escutando. Estes viram entrar visitas no salão, sentaram-se ao seu lado; notaram, talvez, seu interesse, e até, pode ser, que viram escapar-lhes algumas lágrimas, sim; porém, no entanto, os deixaram ir sem demonstrar o menor esforço de amor por chegar a eles ou em continuar a boa obra.

     Sem dúvida alguma alguém poderá dizer: “É muito melhor deixar o Espírito Santo cumprir sua obra. A nossa intromissão nas suas prerrogativas causará mais dano do que bem. Além disso, as pessoas não gostam que lhes dirigimos a palavra; isso lhes poderia parecer uma indiscrição e poderia afugentá-las definitivamente do lugar de reunião.” Há muita verdade em tudo isto. O tenho muito em conta, e estou seguro de que tu também, meu querido irmão. Temo que grosseiros equívocos sejam cometidos por pessoas insensatas, que se intrometem na sagrada privacidade dos santos e nos profundos exercícios da alma. Isso requer tato e discernimento; em outras palavras, é preciso que sejamos guiados pelo Espírito, para que possamos ter capacidade em tratar com as almas, para saber a quem iremos falar e o que iremos dizer.

     Contudo ao admitir tudo isto, como o fazemos da maneira mais plena possível, penso que concordarás comigo que, por regra geral, há algo que falta em relação com as nossas pregações públicas. Não há por acaso, uma fraca demonstração deste interesse afetuoso, profundo e pessoal pelas almas, que poderia expressar-se de mil maneiras diferentes, todas adequadas para atuar eficazmente sobre o coração? Confesso que fico entristecido pelo que tenho observado em nossas reuniões para pregação. Entra pessoas novas e desconhecidas no salão das nossas reuniões, e deixamos que escolham um lugar, sem nos preocuparmos com elas, até parece que ninguém pensa nelas. Há cristãos presentes, mas dificilmente se preocupam em lhes prover um lugar. Ninguém lhes oferece uma Bíblia ou um hinário. E uma vez que termina a pregação, deixamo-los ir tal como entraram; nem uma palavra de afeto para inquirir se entenderam ou não da verdade anunciada; nem sequer um gesto de cordialidade que poderia ganhar a confiança e dar lugar a uma conversa. Pelo contrário, há uma fria reserva que vai quase até a aversão.

     Tudo isto é muito triste; e pode ser que meu querido irmão me diga que tenho desenhado um quadro demasiadamente colorido. Ai! O quadro, na realidade, é só excessivamente verdadeiro! E o que o torna mais deplorável ainda é o fato de alguém saber que muitas pessoas que frequentam nossos lugares de pregação e de leitura estão passando por grandes lutas e profundos exercícios de alma, desejando abrir seus corações a quem lhes ofereça algum conselho espiritual; mas, seja por timidez, por reserva ou por estado nervoso, elas recusam tomarem iniciativas, e retiram-se solitárias e tristes para os seus lares e recamaras, para derramar suas lágrimas na solidão, já que ninguém se interessou por suas preciosas almas. Agora, pois, sinto a convicção de que isso poderia ser melhorado em grande medida, se os cristãos que escutam as pregações do Evangelho tivessem mais no coração a busca pelas almas; se eles não assistissem unicamente para seu próprio proveito, mas também para ser colaboradores com Deus, ao procurar trazer as almas ao Senhor Jesus. Sem duvida, é muito refrescante para os cristãos ouvir o Evangelho pregado plena e fielmente. Contudo não seria mais refrescante para eles, interessar-se vivamente na conversão dos pecadores e orar mais por este assunto. Além disso, seu gozo e proveito pessoal não seriam em nada afetados, se cultivassem e manifestassem um vivo e afetuoso interesse por aqueles que os rodeiam e, se ao término da reunião procurassem ajudar a alguém que pudesse ter necessidade e desejo de ser ajudado. Um efeito surpreendente poderia ser produzido no pregador, na pregação e em toda a reunião, se os cristãos que assistem as reuniões sentissem deveras suas santas e elevadas responsabilidades, que deveriam desempenhar para Cristo e as almas. Isso comunica certo tom de responsabilidade e cria certa atmosfera que deveria ser sentida, para ser compreendida; mas, uma vez sentida, ninguém não pode prescindir da mesma.

     Porém, lamentavelmente, com frequência ocorre o contrário! Quão frío, triste e desalentador é com frequência ver toda a congregação ir-se tão cedo, quando termina a pregação! Não vemos grupos ao redor dos jovens convertidos ou de inquiridores ansiosos, que se demorem por amor destas almas. Velhos cristãos experimentados tem estado presentes; mas em lugar de deter-se com a bela esperança de que Deus os empregará para dizer uma palavra oportuna a alguém que esteja abatido, se apressam a ir embora, como se tratasse de um assunto de vida ou morte ou estar em casa a determinada hora.

     Não suponhas, querido Irmão, que desejo estabelecer regras para meus irmãos. Longe está de mim esse pensamento. Dou simplesmente, em toda liberdade, livre curso aos pensamentos de meu coração, ao dirigir-me a alguém que durante muitíssimos anos, tem sido meu companheiro na obra de evangelização. Estou convencido de que falta algo. Tenho a firme convicção de que nenhum cristão pode achar-se em bom estado se não busca, de uma ou outra forma, ganhar almas para Cristo. E, seguindo o mesmo principio, nenhuma assembleia de cristãos está num bom estado, se não é uma assembleia inteiramente evangelista. Todos deveríamos estar atrás da busca das almas, e então, disto podemos estar seguros, veríamos como resultado, almas comovidas e despertadas. Porém se nos conformamos com ir semana após semana, mês após mês e ano após ano, sem que se mova uma só folha, sem ver uma só conversão, nosso estado deve ser verdadeiramente lamentável.

     Mas creio que te ouvi dizer: “Onde se acham, pois, todas as passagens da Escritura que deveríamos ter? Onde estão as numerosas citações dos Evangelhos e dos Atos?” Bem, tenho-me disposto a anotar sobre o papel os pensamentos que tanto tempo ocuparam minha mente; e agora o espaço não me permite continuar no momento. Mas se o desejas, te escreverei uma segunda carta sobre o mesmo tema. Por enquanto, queira o Senhor, por seu Espírito, fazer-nos mais zelosos em procurar a salvação das almas imortais mediante toda ação legítima! Oxalá que nossos corações estejam cheios de um verdadeiro amor por estas preciosas almas, e então poderemos estar seguros de encontrar a forma e os meios de chegar a elas!

    

Sempre, crê-me, querido irmão.

 

Afetuosamente no Senhor

                                                                              C. H.M


[1] Esta carta é datada do mês de abril de 1869.

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