CARTAS ESCRITAS A UM AMIGO SOBRE A OBRA
DA EVANGELIZAÇÃO
C. H.
Mackintosh
Primeira carta[1]
Querido Irmão!
Tem sido, para mim, muito interessante e
muito proveitoso nestes últimos tempos seguir nos Evangelhos e nos Atos as
várias pegadas da obra de evangelização; e gostaria de apresentar-te - e
justamente a ti que estas muito ocupado na bendita obra – alguns pensamentos
que me veem a mente. Sinto-me mais a vontade empregando este meio, do que se
escrevesse um tratado formal.
Antes de tudo, me surpreende sobremaneira,
a simplicidade com que se levava adiante a obra de evangelização nos primeiros dias;
algo muito diferente, em grande medida, daquilo que é praticado entre nós.
Parece-me que nós, homens modernos, nos deixamos enrolar muitíssimo mais por
regras convencionais, e nos acorrentamos pelos costumes da cristandade. Somos
tristemente deficientes no que poderia chamar “elasticidade espiritual”. Somos
levados a pensar que para evangelizar necessitamos de um dom especial, e que, mesmo
ali, onde se encontra este dom especial, torna-se necessário o emprego da
máquina e das organizações humanas. Quando falamos de fazer a obra de
evangelista (2.ª Timóteo 4:5), a maioria de nós coloca diante dos nossos olhos,
grandes salas públicas e um grande número de pessoas, que exigem um dom e um
poder para falar considerável.
Assim sendo, tanto você como eu cremos
plenamente que, para pregar o Evangelho em público faz falta um dom especial,
proveniente da Cabeça da Igreja; e além disso, cremos, segundo Efésios 4:11,
que Cristo deu e ainda dá “evangelistas”. Isto está muito claro se formos
guiados pelas Escrituras. Porém, nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos,
encontramos que uma boa parte da bendita obra evangelística foi cumprida por
pessoas que não eram de tudo dotadas de um dom especial, mas tinham um amor
ardente pelas almas e um sentimento profundo do valor de Cristo e da sua
salvação. Além disso, encontramos naqueles que foram especialmente dotados,
chamados e estabelecidos por Cristo para pregarem o Evangelho, uma
simplicidade, uma liberdade e naturalidade tal em sua maneira de trabalhar, que
desejaria vivamente para mim e para todos os meus irmãos.
Examinemos um pouco as Escrituras. Tomemos
essa formosa cena de João 1:36-45. João derrama seu coração como testemunha do
Senhor Jesus: “Eis aqui o Cordeiro de Deus”. Sua alma estava absorvida pelo
glorioso Objeto. Qual foi o resultado? “E os dois discípulos ouviram-no dizer
isso e seguiram a Jesus.” E o que segue? “André, irmão de Simão Pedro, era um
dos dois que haviam ouvido a João, e havia seguido a Jesus.” E que fez ele? “Este achou primeiro a seu irmão Simão, e
lhe disse: Achamos o Messias (que, traduzido, é o Cristo). E o levou a Jesus.”
E também: “No dia seguinte, quis Jesus ir a Galileia, e achou a Filipe, e lhe
disse: Segue-me... Filipe achou a
Natanael, e lhe disse: Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na
lei, e de quem escreveram os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José... Vem e vê.”
Está aqui, pois, querido Irmão, o estilo,
a maneira que fervorosamente desejo; esta obra individual, que consiste em
lançar mão da primeira pessoa que cruza pelo nosso caminho; seja ela nosso
próprio irmão e levá-lo ao Senhor Jesus. Sinto que nossos esforços neste
sentido são insuficientes. Parece-nos que tudo está muito bem aos termos
reuniões de evangelização e nelas dirigirmos aos que as assistem, segundo a
capacidade e a ocasião que Deus dá. Não tenho coragem de escrever uma só
palavra para diminuir o valor desta linha de trabalho. Procuremos por todos os
meios alugar salas, salões e teatros; distribuamos folhetos e convidemos a
todos que venha; usemos todos os meios legítimos de propagar o Evangelho.
Procuremos alcançar as almas no melhor que pudermos. Longe esteja de mim
desanimar a qualquer um que trabalha na obra desta maneira pública.
Porém, não te parece que nos falta mais da
obra individual, mais deste trato particular, sério e pessoal com as almas? Não
crês que se tivéssemos mais Filipes, também teríamos mais Natanaéis? E se tivéssemos muitos Andrés, também teríamos muitos Simãos? Não posso, senão crer
nisto. Há um poder admirável num chamado pessoal e veemente. Não descobrimos
com frequência, que depois da pregação pública formal e, quando começamos a
obra íntima, pessoal, é que as almas são alcançadas? Porque razão vemos tão
pouco desta última atividade? Acaso não acontece com frequência em nossas
pregações públicas que, quando a pregação finaliza, cantamos um hino e alguém
ora, todos se dispersão sem que nenhum irmão intente aproximar-se de um dos
ouvintes? Eu não falo aqui, note bem, do pregador que, seguramente, não poderia
atender a cada um detalhadamente, mas dos cristãos que o estavam escutando.
Estes viram entrar visitas no salão, sentaram-se ao seu lado; notaram, talvez,
seu interesse, e até, pode ser, que viram escapar-lhes algumas lágrimas, sim;
porém, no entanto, os deixaram ir sem demonstrar o menor esforço de amor por
chegar a eles ou em continuar a boa obra.
Sem dúvida alguma alguém poderá dizer: “É
muito melhor deixar o Espírito Santo cumprir sua obra. A nossa intromissão nas
suas prerrogativas causará mais dano do que bem. Além disso, as pessoas não
gostam que lhes dirigimos a palavra; isso lhes poderia parecer uma indiscrição
e poderia afugentá-las definitivamente do lugar de reunião.” Há muita verdade
em tudo isto. O tenho muito em conta, e estou seguro de que tu também, meu
querido irmão. Temo que grosseiros equívocos sejam cometidos por pessoas
insensatas, que se intrometem na sagrada privacidade dos santos e nos profundos
exercícios da alma. Isso requer tato e discernimento; em outras palavras, é
preciso que sejamos guiados pelo Espírito, para que possamos ter capacidade em
tratar com as almas, para saber a quem iremos falar e o que iremos dizer.
Contudo ao admitir tudo isto, como o
fazemos da maneira mais plena possível, penso que concordarás comigo que, por
regra geral, há algo que falta em relação com as nossas pregações públicas. Não
há por acaso, uma fraca demonstração deste interesse afetuoso, profundo e
pessoal pelas almas, que poderia expressar-se de mil maneiras diferentes, todas
adequadas para atuar eficazmente sobre o coração? Confesso que fico
entristecido pelo que tenho observado em nossas reuniões para pregação. Entra
pessoas novas e desconhecidas no salão das nossas reuniões, e deixamos que
escolham um lugar, sem nos preocuparmos com elas, até parece que ninguém pensa
nelas. Há cristãos presentes, mas dificilmente se preocupam em lhes prover um
lugar. Ninguém lhes oferece uma Bíblia ou um hinário. E uma vez que termina a
pregação, deixamo-los ir tal como entraram; nem uma palavra de afeto para
inquirir se entenderam ou não da verdade anunciada; nem sequer um gesto de
cordialidade que poderia ganhar a confiança e dar lugar a uma conversa. Pelo
contrário, há uma fria reserva que vai quase até a aversão.
Tudo isto é muito triste; e pode ser que
meu querido irmão me diga que tenho desenhado um quadro demasiadamente
colorido. Ai! O quadro, na realidade, é só excessivamente verdadeiro! E o que o
torna mais deplorável ainda é o fato de alguém saber que muitas pessoas que frequentam
nossos lugares de pregação e de leitura estão passando por grandes lutas e
profundos exercícios de alma, desejando abrir seus corações a quem lhes ofereça
algum conselho espiritual; mas, seja por timidez, por reserva ou por estado
nervoso, elas recusam tomarem iniciativas, e retiram-se solitárias e tristes
para os seus lares e recamaras, para derramar suas lágrimas na solidão, já que
ninguém se interessou por suas preciosas almas. Agora, pois, sinto a convicção
de que isso poderia ser melhorado em grande medida, se os cristãos que escutam
as pregações do Evangelho tivessem mais no coração a busca pelas almas; se eles não assistissem unicamente para seu
próprio proveito, mas também para ser colaboradores com Deus, ao procurar
trazer as almas ao Senhor Jesus. Sem duvida, é muito refrescante para os
cristãos ouvir o Evangelho pregado plena e fielmente. Contudo não seria mais
refrescante para eles, interessar-se vivamente na conversão dos pecadores e
orar mais por este assunto. Além disso, seu gozo e proveito pessoal não seriam
em nada afetados, se cultivassem e manifestassem um vivo e afetuoso interesse
por aqueles que os rodeiam e, se ao término da reunião procurassem ajudar a
alguém que pudesse ter necessidade e desejo de ser ajudado. Um efeito
surpreendente poderia ser produzido no pregador, na pregação e em toda a
reunião, se os cristãos que assistem as reuniões sentissem deveras suas santas
e elevadas responsabilidades, que deveriam desempenhar para Cristo e as almas.
Isso comunica certo tom de responsabilidade e cria certa atmosfera que deveria
ser sentida, para ser compreendida; mas, uma vez sentida, ninguém não pode
prescindir da mesma.
Porém, lamentavelmente, com frequência
ocorre o contrário! Quão frío, triste e desalentador é com frequência ver toda
a congregação ir-se tão cedo, quando termina a pregação! Não vemos grupos ao
redor dos jovens convertidos ou de inquiridores ansiosos, que se demorem por
amor destas almas. Velhos cristãos experimentados tem estado presentes; mas em lugar
de deter-se com a bela esperança de que Deus os empregará para dizer uma
palavra oportuna a alguém que esteja abatido, se apressam a ir embora, como se
tratasse de um assunto de vida ou morte ou estar em casa a determinada hora.
Não suponhas, querido Irmão,
que desejo estabelecer regras para meus irmãos. Longe está de mim esse
pensamento. Dou simplesmente, em toda liberdade, livre curso aos pensamentos de
meu coração, ao dirigir-me a alguém que durante muitíssimos anos, tem sido meu
companheiro na obra de evangelização. Estou convencido de que falta algo. Tenho
a firme convicção de que nenhum cristão pode achar-se em bom estado se não
busca, de uma ou outra forma, ganhar almas para Cristo. E, seguindo o mesmo
principio, nenhuma assembleia de cristãos está num bom estado, se não é uma assembleia
inteiramente evangelista. Todos deveríamos estar atrás da busca das almas, e
então, disto podemos estar seguros, veríamos como resultado, almas comovidas e
despertadas. Porém se nos conformamos com ir semana após semana, mês após mês e
ano após ano, sem que se mova uma só folha, sem ver uma só conversão, nosso
estado deve ser verdadeiramente lamentável.
Mas creio que te ouvi dizer: “Onde se
acham, pois, todas as passagens da Escritura que deveríamos ter? Onde estão as
numerosas citações dos Evangelhos e dos Atos?” Bem, tenho-me disposto a anotar
sobre o papel os pensamentos que tanto tempo ocuparam minha mente; e agora o
espaço não me permite continuar no momento. Mas se o desejas, te escreverei uma
segunda carta sobre o mesmo tema. Por enquanto, queira o Senhor, por seu
Espírito, fazer-nos mais zelosos em procurar a salvação das almas imortais
mediante toda ação legítima! Oxalá que nossos corações estejam cheios de um
verdadeiro amor por estas preciosas almas, e então poderemos estar seguros de
encontrar a forma e os meios de chegar a elas!
Sempre,
crê-me, querido irmão.
Afetuosamente
no Senhor
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