sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Perdoar como Deus perdoa


Perdoar como Deus perdoa





               A Bíblia nos exorta a perdoar-nos uns aos outros, como Deus também nos perdoou em Cristo» e da maneira que Cristo nos perdoou.” (Efésios 4:32; Colossenses 3:13). Estas expressões nos dão a medida do perdão: é um perdão completo, sem reserva alguma, e que não deixa permanecer em nosso coração o menor resíduo, a mais ínfima recordação do agravo que nos feito, a imitação Daquele que declara "E nunca mais me lembrarei dos seus pecados e transgressões" (Hebreus 10:17). Também nos ensinam qual é o ca­ráter do perdão que temos de conceder.

               Na realidade, ocorre com frequência, que compreendemos muito mau o que é o perdão que devemos outorgar e faltamos neste aspecto, tanto não que se refere ao caráter do perdão como quanto à sua medida. No que diz respeito a sua medida, embora chegamos a declarar “eu perdoo”, acaso não acrescentamos muitas vezes - com o pensamento, se não com voz alta – “eu nunca esquecerei?” Isto não é per­doar como o Senhor nos exorta a fazê-lo nos versículos já cita­dos. Mas o extremo oposto também seria muito perigoso: não devemos crer que, em todos os casos e, seguidamente, deveríamos ir para quem nos ofende, pecando contra nós, para outorgar-lhe um perdão, sem reserva, qualquer que seja o estado moral no qual ele se encontre. Tampouco isto seria perdoar como temos de fazê-lo, pois seria des­conhecer a essência e o verdadeiro caráter do perdão, e incitar ao ofensor a considerar com desprezo o mal, em vez de ajudar-lhe a examinar-se e a julgar-se a si mesmo.

               Não esqueçamos jamais que qualquer pecado cometido, se comete primeiro contra Deus, como nos ensinam o versículo 4 do Salmo 51 e outras passagens. Portanto, perdoar a quem não compreendeu quão grave é o pecado que cometeu contra Deus, não seria buscar seu bem. Não seria manifestar-lhe o verdadeiro amor. Isso nos explica porque em continuação a Colossenses 3:13, vem a exortação do versículo 14: "suportando-vos uns aos outros, e perdoando-nos uns aos outros se alguém tiver queixa contra outro. Da maneira que Cristo vos perdoou, assim também fazei-o vós. E sobre todas estas coisas revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição." O amor procura sempre o bem da pessoa amada de acordo com o pensamento de Deus, e não segundo nossa maneira de pensar. Em cada caso, saberá sugerir os meios oportunos para tocar o coração e alcançar a consciência daquele que cometeu a falta, de tal modo que a confesse com inteireza de coração e se humilhe. Só então ele poderá ser perdoado.

               De que maneira nos perdoou Deus em Cristo? Quando lhe confessamos os nossos pecados, demostrando um sincero arrependimento. Deus pode perdoar a todo pecador, em virtude da obra perfeita da cruz, estando Sua justiça plenamente satisfeita com o sacrifício propiciatório de Senhor Jesus Cristo; contudo o perdão, só pode ser concedido a um pecador que se arrepende, porque aquele que não confessa sua culpa e não sente a necessidade de ser perdoado, como poderá confessar seu pecado e esperar o perdão do Senhor?

               Este principio é de suma importância, trata-se do perdão concedido ao pecador arrependido que se achega a Deus, achando em Cristo a salvação da sua alma, ou o perdão de  um crente que implora confessando que cometeu uma falta e que sofre as consequências de sua desobediência sob o justo governo de Deus.

               Consideremos o caso de Davi. Em que momento ele pode dizer ao Senhor: "Tu perdoaste a maldade do meu pecado" (Salmo 32:5)? Somente quando “confessou seu pecado” e “e suas transgressões” (Salmo 32:5). Antes de gozar do perdão, enquanto seguia ocultando seu crime, experimentava o que declara nos versículos 3 e 4 do Salmo 32: "envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo dia" (Salmo 32:3), pois ignorava o gozo que produz o perdão. O único ato ou motivo, que o fez passar do estado descrito nos versículos acima mencionados ao estado citado no final do versículo 5 ("perdoaste a maldade do meu pecado"), foi – notemo-lo bem - a confissão: "Confessei-te o meu pecado, e a minha iniquidade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões" (Salmo 32:5).

               Sendo assim, o principio enunciado conserva toda sua força quando se trata do povo de Deus, e não apenas de um crente conside­rado individualmente. Leiamos, por exemplo, a oração de Salomão quando da consagração do templo e, maiormente 1 Reis 8: 45-53. Citemos, também, uma parte da contestação do Senhor a esta súpli­ca, tal como a temos em 2 Crónicas 7: 13-14, "Se eu fechar os céus, e não houver chuva; ou se ordenar aos gafanhotos que consumam a terra; ou se enviar a peste entre o meu povo; E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra" (2 Crónicas 7: 13-14). Pois, bem, quer trate-se de uma falta individual, ou do pecado do povo, o caminho ou remédio é sempre o mesmo: humilhar, confessar o pecado diante de Deus e abandonar o mal. Só então Deus pode perdoar e se compraz em fazê-lo.

               Voltamos a encontrar o mesmo ensino no Novo Testamento: "Se confessamos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar nossos pecados, e nos purificar de toda injustiça" (1 João 1:9).

               Quanto desejava Moisés que Senhor perdoasse o pecado do povo quando este levantou o bezerro de ouro! Que intercessão mais fervorosa foi a sua quando se dirigiu ao Senhor: "Te rogo,… que perdoes agora seu pecado, e se não, risca-me agora do teu livro que tens escrito" (Êxodo 32: 31, 32). Mas não podia o Senhor contestar favoravelmente a oração de seu servo: "... no dia da sua visitação visitarei neles os seus pecados" (Êxodo 32:34). E, por que o Senhor não perdoou naquele exato momento? Foi porque o povo não havia confessado seu pecado e não havia se arrependido. Entretanto, para incitá-los a fazê-lo publicamente, Moisés havia queimado o bezerro de ouro, o havia moído até reduzi-lo ao pó, que depois espargiu sobre as aguas que deu a beber aos israelitas. Mas nem sequer manifestou o povo o menor sentimento de arrependimento. O mesmo Arão - o maior ofensor, sem duvida alguma, e que com Hur estava encargado do povo, enquanto Moisés estava no monte: - o mesmo Arão desconhecia por completo sua própria responsabilidade, lançando sobre o povo toda a culpa: "tu conheces o povo, que é inclinado ao mal" (Êxodo 32:22), dando a Moisés um relato muito inexato do que havia ocorrido, a fim de desculpar-se.

               Se compararmos os mesmos fatos com a versão que Arão dá a eles, não deixaremos de ficar assombrados: “E Arão lhes disse: Arrancai os pendentes de ouro, que estão nas orelhas de vossas mulheres, e de vossos filhos, e de vossas filhas, e trazei-mos. Então todo o povo arrancou os pendentes de ouro, que estavam nas suas orelhas, e os trouxeram a Arão.

E ele os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e fez dele um bezerro de fundição..." (Êxodo 32: 2-4). Pois bem, em seu relato, Arão declara: "Então eu lhes disse: Quem tem ouro, arranque-o; e deram-mo, e lancei-o no fogo, e saiu este bezerro" (Êxodo 32:24). Conforme  este relato, Arão pretende desculpar que não fez mais que “lançar no fogo” o ouro que o povo lhe havia trazido; no que diz respeito ao bezerro de fundição, Arão fala como se não tivesse responsabilidade alguma: “... saiu este bezerro..."

               Amados irmãos em muitas situações, não é assim também que acontece conosco; quantas vezes procuramos en­contrar desculpas para nossas faltas, à semelhança de Arão, em vez de confessá-las com sinceridade de coração? Meditemos nisto e não imi­temos sua atitude. Nenhum sentimento de culpa, nenhuma confissão do pecado, nenhum arrependimento encontramos nem no povo, nem em Arão a quem Moisés havia confiado; portanto, o Senhor não podia perdoar.

               As distintas porções da Palavra que acabamos de considerar nos ensinam qual é o caráter do perdão que devemos outorgar se queremos ser "imitadores de Deus" (Efésios 4:32; Efésios 5:1). Este ensino está confirmado nas declarações do Senhor nos evangelhos: "E, se teu irmão pecar contra ti, repreende-o e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. E, se pecar contra ti sete vezes no dia, e sete vezes no dia vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me; perdoa-lhe" (Lucas 17: 3-4).

               Desde o principio deve haver em nossos corações sentimentos de graça e desejos de perdoar àquele que nos ofende ou nos prejudique; não obstante, o perdão só se conhece depois da confissão ou reconhecimento do pecado e do arrependimento.

               É certo que a confissão se torna, muitas vezes, difícil e penosa; difícil e penoso também é o arrependimento. Um incrédulo não se sujeira facilmente a tomar semelhante postura diante de Deus; É induzido a submeter, em alguns casos, a con­sentir de boa vontade, como  por exemplo, a escutar hinos e coisas que agradam a sua alma, mas é sumamente difícil passar dos versículos 3 e 4 do Salmo 32 ao versí­culo 5; isto é, confessar suas faltas. Para um crente que pecou, a dificuldade é quase sempre a mesma, pois o coração hu­mano segue sendo o mesmo, e é muito custoso para ele confessar suas faltas com sinceridade, e arrepender-se. Para vir a fazer isto, precisa o ofensor ter a consciência exercitada, e somente Deus pode fazer isto.

               O que acabamos de dizer não significa que se o ofensor não se humilha, nem se arrepende, o ofendido deva perma­necer sempre numa atitude indiferente, sem intentar alguma coisa para solução de tal situação. Agir de tal maneira seria falto de amor, da mesma forma que seria também falta de amor o ato de conceder um perdão completo ao ofensor que não se arrependeu.

               É bem verdade que somente Deus pode operar nas almas; no entanto, em numerosos casos, Ele se compraz em valer-se de Seus filhos como instrumentos seus. Nossa incapacidade não há de ser pretex­to para que percamos de vista a nossa responsabilidade num assunto  e serviço que nos foi incumbido. Este serviço deve ser feito sem a nossa pretensão de mudar o coração do ofensor, mas com a confiança de que Deus mesmo operará em “Seu” momento propício, atestando assim à esperança da fé.

               O amor, do qual devemos "vestir-nos" (Colossenses 3:14), conduzirá aquele que está disposto a perdoar até ao ofensor cuja consciência há de ser exercitada por esta ação. Este amor manifestado em verdade, fará uma marca no coração; operará com perseverança, acalmando e ­alentando para não o desanimar, e este serviço só termi­nará quando o ofensor - ganho pela poderosa graça divina - se arrepender e confessar seu pecado com sinceridade de coração e pro­funda humilhação. Então, quando Deus puder agir plenamen­te, os resultados serão manifestos, e o perdão poderá ser outorgado sem nenhuma restrição ou reserva. Tanto em sua medida, como em seu caráter, será verdadeiramente um perdão segundo Deus.

               Se entendêssemos em verdade estes ensinamentos, veríamos entre os crentes um feliz desenvolvimento das relações fraternais, e cedo desapareceriam as nuvens e tempestades que muitas vezes as provocam.

               Infelizmente, devemos confessar que faltamos frequentemente neste aspecto. Algumas vezes (e isso ocorre com bastante frequência) deixamos de nos ocupar das dissensões ou das faltas graves, evitando assim em ambas as partes os exercícios e as atividades às quais a Palavra de Deus nos exorta. Outras vezes, faltamos, concedendo o perdão sem demora, sem procurar reproduzir a confissão ou o arrependimento. Cedo isto trará resultados desastrosos, pois, não exige nenhum verdadeiro exercício de coração, nenhuma amostra de sincero arrependimento; no entanto, é uma atitude que impede a restauração do ofensor. Em ambos os casos, há uma perda para os interessados, como também para a igreja. Não nos esqueçamos disto irmãos, e peçamos ao Senhor que nos ajude a por em prática os ensinos da sua bendita Palavra.


Paul Fuzier



Fonte: Revista "Vida Cristiana", Ano 1956, No. 24.-


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