quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A PLENITUDE DE DEUS PARA VASOS VAZIOS

1 Samuel 4 e 7


ÍNDICE




Estes dois capítulos ilustram de maneira surpreendente um principio que corre através de toda a Escritura inspirada, a saber, que no momento em que o homem toma seu verdadeiro lugar — o lugar que verdadeiramente lhe pertence —, Deus pode encontrá-lo em graça, em graça perfeita, gratuita, soberana e incomparável; a plenitude de Deus espera vasos vazios para enchê-los. Este grande principio brilha por todas as partes de Gênesis até ao Apocalipse. A palavra “principio” é insuficiente para dar o sentido pleno, é ainda muito vazia. Deveríamos falar disto como de um grande feito divino, vivo e maravilhoso, que brilha com resplendor celestial no evangelho da graça de Deus e na historia do povo de Deus, coletiva e individualmente, tanto nos dias do Antigo Testamento como do Novo.

Mas é necessário que o homem esteja  em seu verdadeiro lugar. É absolutamente indispensável. É somente nesta posição que pode ter uma visão justa de Deus. Quando o homem, tal como é, encontra-se com Deus, assim como Deus é, só nesta condição encontra uma resposta perfeita para todas as questões, uma solução divina para todas as dificuldades. Desde a perspectiva de uma ruína absoluta e sem esperança, o homem obtém uma ampla, clara e libertadora visão, e entende o sentido da salvação de Deus. Somente quando o homem chega ao fim de si mesmo em todos os aspectos — seu eu mal e seu eu bom, seu eu culpável e seu eu justo — então, começa com um Deus Salvador. Isto é verdade no principio da vida, e é verdade ao longo de todo o caminho. A plenitude de Deus espera sempre vasos vazios. A grande dificuldade é esvaziar estes vasos: quando se alcança isto, tudo se soluciona, uma vez que a plenitude de Deus pode então jorrar ali.

Esta é seguramente uma grande verdade fundamental. Nos capítulos 4 e 7 de 1 Samuel, vemos a sua aplicação para o antigo povo terreno de Deus. Consideremos um pouco estes capítulos.


No principio do capítulo 4, vemos Israel derrotado pelos filisteus; mas, em lugar de humilharem-se diante de Jeová numa verdadeira contrição e no juízo de si mesmo, por causa de sua terrível condição, e em vez de aceitar sua derrota como o justo juízo de Deus, os achamos totalmente insensíveis e duros de coração. “Quando voltou o povo ao acampamento, os anciãos de Israel disseram: Por que nos feriu hoje Jeová diante dos filisteus?” (1 Samuel 4:3). Segundo estas palavras, é muito evidente que os antigos não estavam no lugar conveniente. Jamais teriam dito “por que” se tão somente tivessem tomado consciência de sua condição moral: se soubessem melhor o porquê desta situação. Havia um pecado vergonhoso no meio deles: a conduta imoral de Hofni e Finéias. “Era, pois, mui grande diante de Jeová o pecado destes jovens; porque os homens menosprezavam as ofertas de Jeová” (1 Samuel 2:17).

Mas, lamentavelmente, o povo não tinha nenhum sentido de sua terrível condição, e, conseqüentemente, nenhum sentido do remédio. Por isso dizem: “Tragamos a nós de Siló a arca do Concerto de Jeová, para que estando entre nós, nos salve da mão de nossos inimigos” (4:3). Que ilusão! Que cegueira imensa! Não há nenhum juízo de si mesmo, nenhuma confissão da desonra feita ao Senhor e ao culto do Deus de Israel; nenhuma olhar para Jeová com uma verdadeira contrição e um verdadeiro quebrantamento de coração. Não há nada exceto o vão pensamento de que a arca os salvaria da mão de seus inimigos.

“E enviaram o povo a Siló, e trouxeram de lá a arca do Concerto de Jeová dos exércitos, que morava entre os querubins; e os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias, estavam ali com a arca do Concerto de Deus” (4:4). Que terrível condição de coisas! A arca de Deus associada a estes homens ímpios cuja maldade ia atrair o justo juízo de um Deus santo e justo sobre a nação inteira. Nada podia ser mais drástico, nem mais ofensivo para Deus que esta temerária tentativa de associar Seu Nome e Sua verdade com o mal. Em toda circunstancia, o mal moral é mal por si mesmo, contudo a tentativa de mesclar o mal moral com o nome e o serviço dAquele que é santo e verdadeiro, é a pior e mais tenebrosa forma de iniquidade, e só pode atrair um mais severo juízo de Deus. Estes sacerdotes ímpios, os filhos de Eli, ousaram contaminar os mesmos recintos do santuário com suas abominações; e agora eram eles que acompanhavam a arca de Deus ao campo de batalha. Que cegueira e que dureza de coração! Essa expressão: “Hofni e Finéias, estavam ali com a arca do Concerto de Deus”, expressa, em sua brevidade, a terrível condição moral de Israel.

“Aconteceu que quando a arca do concerto de Jeová chegou ao acampamento, todo Israel gritou com tão grande júbilo, que a terra tremeu” (v. 5). Quão vãos eram estes gritos! Quão vazia era esta jactância! Quão oca era esta pretensão! Lamentavelmente, tudo isto foi seguido por uma humilhante derrota, e não podia ser de outro modo! “Pelejaram, pois, os filisteus, e Israel foi vencido, e fugiram cada qual para suas tendas; e foi houve grande mortandade, pois caíram de Israel trinta mil homens de pé. E a arca de Deus foi tomada, e mortos os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias” (v. 10-11).

Que estado de coisas! Os sacerdotes mortos; a arca tomada; a glória transportada. A arca da qual jactavam-se, e sobre a qual haviam fundado sua esperança de vitória, estava agora nas mãos dos filisteus incircuncisos. Tudo havia acabado. Esta terrível circunstância - a arca de Deus na casa de Dagon — expressa a trágica história da ruína e do fracasso total de Israel. Deus quer realidade, verdade e santidade naqueles com quem se digna morar. “A santidade convém a tua casa” (Salmo 93:5). Era um privilégio da ordem mais elevada ter a Jeová habitando no meio deles. Contudo, a santidade era a contrapartida necessária. Deus não podia associar seu nome com o pecado não julgado. Impossível. Isto teria sido a negação de sua natureza, e Deus mesmo não pode negar-se a si mesmo. O lugar onde quer habitar deve corresponder a sua natureza e ao seu caráter. “Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pedro 1:16). Esta é uma grande verdade fundamental à qual devemos agarrar-nos tenazmente e a qual devemos confessar com reverência e santo temor. Jamais deve abandonar se.

Agora iremos considerar um pouco mais sobre o que ocorreu com a arca na terra dos filisteus. É de suma importância, solene e instrutivo. Israel havia fracassado profundamente e havia pecado vergonhosamente. Havia-se mostrado totalmente indignos da arca do Concerto de Jeová; e os filisteus haviam posto suas mãos incircuncisas sobre ela, introduzindo-a com toda presunção na casa de seu falso deus, como se Jeová Deus de Israel e Dagon pudessem habitar juntos! Que blasfema presunção! Mas a glória que havia ido embora de Israel foi reivindicada nas trevas e na solidão do templo de Dagon.

Deus será sempre Deus, ainda que seu povo falhe. Como conseqüência, vemos que quando Israel falhou completamente em sua responsabilidade de guardar a arca de Seu testemunho, e permitiu que passasse as mãos dos filisteus - quando tudo estava perdido nas mãos do homem —, então a glória de Deus brilha com poder e esplendor: Dagon se despedaça, e toda a terra dos filisteus temeu sob a mão de Jeová. A presença da arca torna-se intolerável, e procuraram tirá-la dentre eles o quanto antes. Ficou demonstrado de maneira irrecusável a impossibilidade absoluta de que Jeová e os incircuncisos andem juntos. Assim foi, assim é, e assim será para sempre. “Que concórdia (tem) Cristo com Belial? E que acordo há entre o templo de Deus e os ídolos?” (2 Coríntios 6:15-16). Absolutamente nenhum!


Passemos agora ao capítulo 7. Encontramos ali outro estado de coisas totalmente diferente. Vamos encontrar ali o que é um vaso vazio e, como sempre, Deus em sua plenitude esperando encontrá-lo em tal condição. “Desde o dia que chegou a arca a Quiriate-jearim muitos dias se passaram, que chegou há vinte anos; e toda a casa de Israel dirigia lamentações a Jeová” (v. 2). Nos capítulos 5 e 6, vemos que os filisteus não podiam subsistir com Jeová. No capítulo 7, vemos que Israel não podia subsistir sem Ele. Isto é muito surpreendente e instrutivo. O mundo não pode suportar o fato de pensar na presença de Deus. Vemos isto desde a queda, em Gênesis 3. O homem sempre fugiu de Deus, mesmo antes de Deus expulsá-lo do jardim do Éden. Não podia suportar a presença divina. “Ouvi a tua voz no jardim, e tive medo, porque estava nu; e me escondi” (Gênesis 3:10).

Sempre foi assim, desde então até hoje. Como alguém disse: “Se pudéssemos introduzir um homem inconverso no céu, ele faria todo o possível para sair de lá o quanto antes”. Que fato tão notável! Que marca foi deixada em toda a raça humana, e que prova da profundidade da depravação moral, na qual podem cair os membros desta raça! Se um homem não pode suportar a presença de Deus, qual seria o lugar apropriado para ele? e de que não é capaz? Importantes e solenes perguntas!

Depois “toda a casa de Israel dirigia lamentações a Jeová”. Vinte anos, longos e tristes, passaram sem o bendito sentido da Sua presença; “Falou Samuel a toda a casa de Israel, dizendo: Se de todo vosso coração os voltais a Jeová, tirai os deuses estranhos e a astarote de entre vós, e preparai o vosso coração a Jeová, e a ele servi, e ele vos livrará (Ele, não a arca) da mão dos filisteus. Então os filhos de Israel tiraram os baalins e a astarote, e serviram só a Jeová. E Samuel disse: Reuni a todo Israel em Mispa, e eu orarei por vós a Jeová. E se reuniram em Mizpa, e tiraram água, e a derramaram diante de Jeová, e jejuaram aquele dia, e disseram ali: Pecado contra Jeová” (capítulo 7:2-6).

Que diferença com o estado de coisas apresentado no capítulo 4. Aqui, os vasos estão vazios, preparados para receber a plenitude de Deus. Não há vãs pretensões, nem nenhuma busca de meios exteriores de salvação. Tudo é realidade, tudo é trabalho de coração. Em lugar dos gritos de jactância, vemos a água derramada: símbolo surpreendente e expressivo de uma absoluta debilidade e inutilidade. Numa palavra, o homem toma seu lugar correto; e isto, como sabemos, é um seguro sinal precursor de que Deus vai tomar o seu. Este grande principio atravessa, como um maravilhoso fio de ouro, toda a Escritura, toda a historia do povo de Deus, toda a historia das almas. Está condensado nesta expressão tão breve, mas de tão vasto alcance: “o arrependimento e o perdão de pecados” (Lucas 24:47). O arrependimento é o verdadeiro lugar do homem. O perdão dos pecados é a resposta de Deus. O arrependimento expressa o vaso vazio; o perdão dos pecados, a plenitude de Deus. Quando ambos se encontram, tudo se resolve.

Isto é apresentado de modo muito surpreendente na cena deste capítulo 7. Uma vez que Israel houve tomado seu verdadeiro lugar, Deus foi livre de atuar em seu favor. Eles mesmos haviam confessado que eram “como água derramada sobre a terra”, totalmente impotentes e indignos. É tudo o que tinham que dizer sobre si mesmos, e isto bastava. Deus pode agora entrar em cena e rapidamente cuidar dos filisteus. “Se Deus é por nós, quem contra nós?” (Romanos 8:31).

“E Samuel tomou um cordeiro de leite e o sacrificou inteiro em holocausto a Jeová; e clamou Samuel a Jeová por Israel, e Jeová o ouviu. E aconteceu que enquanto Samuel sacrificava o holocausto, os filisteus chegaram para pelejar com os filhos de Israel”. Quão pouco conheciam aquele contra o qual vinham combater, a Aquele que ia sair ao seu encontro! “Mas Jeová trovejou aquele dia com grande estrondo sobre os filisteus, e os atemorizou, e foram vencidos diante de Israel… Tomou depois Samuel uma pedra e a pôs entre Mispa e Sem, e lhe pôs o nome de Ebenézer, dizendo: Até aqui nos ajudou Jeová” (v. 9-12). Que contraste entre os jactanciosos gritos de Israel no capítulo 4 e o trono de Jeová no capítulo 7! Os primeiros eram pura pretensão humana; o segundo, o poder divino. Aqueles haviam sido imediatamente seguidos de uma humilhante derrota; este, de um triunfo esplêndido. Os filisteus ignoravam o que havia passado: a água derramada, os prantos de arrependimento, a oferta do cordeiro, a intercessão sacerdotal. Que podiam saber os filisteus incircuncisos destas preciosas realidades? Nada. Quando a terra se estremecia sob os pretensiosos gritos de Israel, podiam dar conta do que passava. Os homens do mundo podem compreender e apreciar a satisfação e confiança em si mesmo; mas estas são justamente as mesmas coisas que rejeitam a Deus. Pelo contrário, um coração quebrantado, um espírito contrito, um espírito humilde, são as coisas que agradam a Deus. Quando Israel tomou o lugar da humilhação, o lugar do juízo de si mesmo e da confissão, então se ouvi o trono de Jeová, e os exércitos dos filisteus foram dispersos e confundidos. A plenitude de Deus espera sempre que o vaso esteja vazio. Preciosa e bendita verdade! Que possamos entrar mais plenamente em sua profundidade, plenitude, poder e extensão!



Antes de terminar este breve artigo, só quero mencionar que 1 Samuel 4 e 7 nos fazem recordar às igrejas de Laodiceia e Filadélfia, em Apocalipse 3. A primeira nos apresenta uma condição que deveríamos evitar escrupulosamente; a segunda, uma condição que deveríamos cultivar com diligencia e seriedade. Na primeira, há uma miserável auto-complacência, e Cristo é deixado fora. Na segunda, há consciência de sua própria debilidade e nulidade, mas Cristo é exaltado, amado e honrado; sua Palavra guardada, e seu amor apreciado.

E tenhamos em conta que estas coisas prosseguiram até o fim. É muito instrutivo ver que as quatro últimas das sete igrejas apresentam quatro fases da história da que seguem até o final. Em Tiatira, encontramos o Catolicismo; em Sardes, o Protestantismo. Em Filadélfia, como dizemos, temos esse estado de alma, essa atitude de coração, que todo verdadeiro crente, e toda igreja de crentes deveriam cultivar com ardor e manifestar fielmente. Laodiceia, pelo contrário, apresenta um estado de alma e uma atitude de coração que devemos recusar com santo temor. Filadélfia é tão atrativa para o coração do Senhor, assim como Laodiceia lhe é repugnante. Da primeira, fará uma coluna no templo de Seu Deus; da segunda, a vomitará de sua boca, e Satanás a tomará e fará dela um   “covil de toda ave inunda e aborrecível” (Apocalipse 18:2), a grande Babilônia! Quão espantoso é isto para todos aqueles que participaram neste desastre. E jamais esquecemos que a pretensão de ser Filadélfia manifesta realmente o espírito de Laodiceia. Ali onde se encentra todo tipo de pretensão, presunção, auto-afirmação ou auto-complacência, temos Laodiceia em espírito e em principio. Queira o Senhor livrar a todo Seu povo de sua influência!

Amados, estejamos contentes de não ser nada nesta cena de auto-exaltação. Que nossa aspiração seja andar à sombra, no que concerne aos pensamentos humanos, mas jamais nos afastemos da luz da aprovação do Pai. Numa palavra, nunca esquecemos que "a plenitude de Deus espera sempre vasos vazios".

C. H. M.

Traduzido em 2011 de Ediciones bíblicas: Le Chêne, 1166 Perroy (Suiza)  .




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